É alegre o vôo da pipa levando com ela minh’alma ligada ao meu corpo pela fina e frágil linha de algodão. Eu aqui no chão e minh’alma no céu.
Meus pensamentos estão lá, no meio das nuvens, em conversas vivas com as andorinhas que anunciam a chegada da chuva no final do dia. Sinto o cheiro úmido de terra molhada vindo de longe.
De repente vem outra pipa, feroz e rápida, vinda de não sei onde e num piscar de olhos ceifa minha linha fazendo minha pipa balouçar sem controle, desconectada de meu corpo. Corro sem saber onde piso, num caminho cheio de pedras, fenestras e tropeços e com olhar fixo na inanimada pipa largada ao vento como mecha de cabelo cortado, numa tentativa vã de salvá-la para resgatar minha alegria.
Outros meninos correm para roubarem de mim o precioso troféu e se encherem de maneira espúria, da minh’alma e de minha alegria. É lícito pelas regras da vida. Pipa “avoada” perde seu dono, dizem.
Caio ao chão sem perdê-la de vista e assisto a pipa prender-se serenamente no alto de uma frondosa mangueira carregada de flores anunciando em sua profusão de rosa, verde, ferrugem e marron, a profícua colheita vindoura.
Com os joelhos ralados cheios de terra misturada ao sangue que brota em pontinhos brilhantes eu grito: Vitória! Ainda verei uma parte de mim, mesmo que só o esqueleto em varetas de bambu, no topo desta mangueira!
E quando as doces mangas começarem a cair, maduras pelo sol de janeiro, terei em minha boca o doce sabor de meus sonhos!