Belo Horizonte: entre a preservação e a exclusão

Hipocrisia impede uma cidade mais vibrante e inclusiva
Foto: Arquivo/Qu4rto Studio/Acervo Belotur.

Hipocrisia impede uma cidade mais vibrante e inclusiva

FREDERICO REMIGGI*

Belo Horizonte não é Nova York. Essa afirmação, tão óbvia quanto necessária, revela uma contradição profunda na forma como a cidade se desenvolve. Enquanto metrópoles globais como Nova York investem em mobilidade urbana, espaços públicos democráticos e integração social, Belo Horizonte parece copiar apenas a estética dos arranha-céus espelhados, ignorando o que realmente faz uma cidade vibrante e inclusiva.

Queremos a Times Square, mas entregamos a praça Sete às moscas. A praça central de BH, que já foi viva, pulsante, diversa, hoje é território abandonado. Seus prédios – muitos inabitáveis – estão fechados, sem comércio, sem vitalidade. Estabelecimentos tradicionais, como o Café Nice, agonizam e pedem socorro, por meio de vaquinha virtual, para não fechar as portas. Os moradores de rua que ali encontram abrigo não têm para onde ir, tampouco quem os veja.

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Ergue-se um discurso de “preservação” que soa mais como defesa de um patrimônio estético do que de um espaço público real. Um abaixo-assinado com milhares de assinaturas de pessoas que sequer passam pela praça foi celebrado como defesa do centro, mas onde estava essa elite quando o lugar se degradava? Quando a arquitetura “menina dos olhos” da cidade foi deixada ao abandono?

Urbanismo que expulsa

Essa mesma elite que brada pela conservação da praça Sete costuma impedir qualquer movimento de revitalização em seus próprios bairros. Em regiões como Mangabeiras, não se pode sequer abrir uma farmácia, um restaurante ou um bar. Aqueles que não querem barulho em sua porta ajudam a fazer barulho nos bairros vizinhos. O mesmo bairro que pretendeu cercar a praça do Papa para evitar o “povão” aos domingos.

É um urbanismo que expulsa, que seleciona quem pode e quem não pode ocupar os espaços. Arquitetura que repele, prédios que intimidam, calçadas que não acolhem. Espaços que deveriam ser de convivência tornam-se ilhas de exclusão.

Discutir a preservação de Belo Horizonte exige mais do que nostalgia. É preciso lembrar dos cinemas transformados em igrejas, das tecelagens que sumiram do mapa, das ruas rebatizadas para apagar histórias boêmias. A cidade não perdeu apenas fachadas – perdeu os sentidos.

E, quando se ergue um painel na praça Sete que cobre apenas 30% da fachada de um prédio para tentar devolver cor, luz e movimento ao lugar, levanta-se um clamor patrimonialista que ignora que ali, há muito tempo, não há mais vida. O que há de errado em devolver visibilidade à cidade? Em permitir que aquele painel seja um canal de comunicação – um alerta sobre enchentes, um rosto de criança desaparecida, uma arte pública que pulsa com a vida da cidade?

Bolhas urbanas

Arquitetura boa não é só a que se sustenta sobre traços e linhas. É aquela que acolhe. Que pensa no futuro sem destruir o passado. Que respeita a memória e projeta inclusão. Preservar a história não significa congelar a cidade no passado, mas integrar o novo ao antigo de forma significativa.

Enquanto espaços públicos forem projetados para afastar o passante, continuaremos a viver em bolhas, em ilhas. Nova York tem seus próprios problemas, mas seus bairros – como o Village, o SoHo, o Brooklyn, o Meatpacking District – são democráticos. As pessoas estão nas ruas. O público e o privado convivem. Aqui, não. Aqui, as portas continuam fechadas.

As pessoas que atravessam a praça Sete todos os dias não olham para cima. Estão olhando para o chão, preocupadas com o ônibus atrasado, com a sujeira, com a próxima conta a pagar. O desafio não é manter uma vista para a serra do Curral para os poucos que têm varanda. É devolver o direito à cidade para todos.

Belo Horizonte não é Nova York – e talvez não precise ser. Mas pode ser mais justa, mais acolhedora e mais viva. Basta que comece a se olhar não no espelho das grandes capitais, mas nos olhos de quem caminha por ela.

FREDERICO REMIGGI

*Frederico Remiggi é diretor do Grupo Fred Izak.

(Artigo publicado no Jornal O Tempo em 28/04/2025)

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