Depois de 5 meses da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Melo, o Senado finalmente sabatinou André Mendonça, o indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar uma cadeira no STF. Foi uma demora inédita. E, por um placar apertado, os parlamentares aprovaram a indicação. Assim, a nossa Suprema Corte volta a ter um décimo primeiro integrante.
A nomeação de Mendonça é o cumprimento da promessa feita pelo presidente a parte da comunidade evangélica brasileira (seu principal grupo de apoio na atualidade): alçar à Corte um nome “terrivelmente evangélico”. Uma tempestade de críticas foi feita ao presidente, ao novo ministro e, principalmente, à motivação da indicação. Dentre as mais recorrentes está a alegação de que o Estado é laico, e, por isso, a religião não poderia ser critério de indicação. Que um juiz deve ser imparcial, técnico, e não um fantoche ideológico fundamentalista e retrógrado. Pois bem, vou trazer alguns pontos aqui – uns óbvios e outros nem tanto – e tentar amarra-los ao final para trazer minha visão acerca dessa indicação.
O primeiro ponto é que o presidente tem um dom raro de atrair crises por conta do que fala. Ele é muito bom nisso. Mas é claro que você, o Brasil e toda a comunidade internacional sabem desse talento do Jair. Ele não se esforça em comunicar melhor, prefere ser polêmico de um jeito que gera engajamento. Assim, mantém seus apoiadores ativos nas redes em sua defesa. É uma estratégia que funciona, senão não teria virado presidente. E, sabendo do talento presidencial em falar asneiras, em alguns casos somos forçados a especular o que ele quis dizer ao invés de considerar o que realmente disse. É com esse olhar especulativo que avalio o “terrivelmente evangélico”.
O segundo ponto, menos óbvio, é que há uma grande distância entre a visão da elite intelectual e cultural brasileira, que milita a favor da igualdade social, e a realidade do pobre no Brasil. Há muitas camadas de preconceito contra os evangélicos vindas dessa elite. Os crentes são chamados de ladrões, ignorantes, preconceituosos e muito mais. Algumas críticas até são fundamentadas, mas jamais podem ser generalizadas. Estudos sociológicos traçam o perfil dos mais vulneráveis do Brasil em 4 P’s: preto, pobre, periférico e pentecostal. Como o ex-presidente FHC pontuou em um de seus livros, o senso de comunidade cultivado por igrejas evangélicas em favelas é a arma mais poderosa contra a entrada de jovens no tráfico de drogas. Há décadas pastores e missionários dão suas vidas para ir aonde o Estado não chega (ou não quer chegar). No contexto brasileiro, o preconceito contra evangélicos é um traço do racismo estrutural que é simplesmente ignorado por muitos que dizem lutar contra o racismo.
O terceiro ponto é que é um equívoco achar que ser evangélico significa rezar uma determinada cartilha política. Evangélicos não são de direita. Nem de esquerda. Nem de centro. Não são conservadores ou progressistas. O que são? Tem de tudo um pouco. Estima-se que quase 40% da população brasileira se declare evangélica. É muita gente, de muitos contextos e visões de mundo diferentes. Líderes e influenciadores evangélicos com projetos de poder muitas vezes argumentam que determinadas correntes políticas são incoerentes com o cristianismo, mas são cegos ao não perceber que todas as visões políticas são incoerentes com o que a Bíblia diz que um cristão deve ser. O “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus” quebrou a espinha dorsal de toda e qualquer idolatria política.
O terceiro ponto é sobre equívocos interpretativos a respeito do que seja um estado laico. Não é um estado no qual religiões devem ficar de fora da esfera pública. Muito pelo contrário, é onde todas as religiões e crenças são igualmente aceitas e chamadas a contribuir para o bem da sociedade comum.
O quarto ponto é que não existe imparcialidade na Praça dos Três Poderes. Tudo que acontece no Palácio do Planalto, no Congresso Federal e no Supremo Tribunal Federal é cheio de política. Adentrando o Judiciário, essa lógica não se aplica só ao Supremo, cada decisão de cada juiz deste país é irrigada por política. Sabe por quê? Quando um juiz profere uma sentença, claro que deve se fundamentar na lei e jurisprudência, mas constrói seu argumento a partir de uma interpretação, que é necessariamente arraigada em pressupostos, que por sua vez podem ser diferentes de pessoa para pessoa, dependendo da sua visão de mundo. É político. Pensa só o STF, que é a instância máxima em nortear o caminho interpretativo que os processos judiciais devem tomar. Política purinha!
O quinto ponto é que Mendonça estava obstinado, queria ocupar uma cadeira do Supremo a qualquer custo. Isso foi visível em seu emblemático discurso como Advogado Geral da União, diante do plenário do STF, defendendo calorosamente valores caros para o bolsonarismo. Mas ainda mais visível ao ser conivente com o desmanche do combate à corrupção e com o emparelhamento político da Polícia Federal enquanto Ministro da Justiça.
Vamos, então, juntar esses elementos: ao indicar Mendonça, Bolsonaro não levantou um representante dos evangélicos, mas um evangélico que representa um grupo de conservadores de direita. Olhando de forma pragmática, foi um grupo que se organizou ao redor de pautas específicas e lutou por elas. Ter um ministro do STF que é abertamente conservador é um problema? Não, é até bom para a democracia que tenha alguns assim. O problema é tratar quem quer que seja como “ministro dos evangélicos”, ainda mais alguém que foi conivente com a corrupção, esta sim incompatível com o cristianismo. O que o trouxe até o cargo máximo do nosso Judiciário me deixa cético, mas só o tempo dirá sobre a qualidade da sua atuação na Corte. Lá dentro ele tem muitos exemplos do que fazer e do que não fazer. Só nos resta esperar que o jovem ministro tenha discernimento para seguir um bom caminho.
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