Uma audiência pública realizada pela Comissão de Administração Pública em Belo Horizonte trouxe à tona relatos contundentes sobre os impactos negativos dessa escala tanto no funcionalismo público quanto no setor privado.
A proposta que acaba com a escala de trabalho 6×1, em pauta no Congresso Nacional, foi discutida em audiência pública realizada pela Comissão de Administração Pública na última quarta-feira,
Sindicatos e trabalhadores falaram sobre os prejuízos para a saúde e o convívio familiar e social causados pela exaustão provocada por jornadas de até 44 horas semanais, com apenas um dia de descanso. De acordo com professor da Faculdade de Direito da UFMG, o Município tem autonomia constitucional e jurídica para reduzir a escala de trabalho na cidade. A Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão participou do debate, que precisa ser aprofundado.
A vereadora Iza Lourença (Psol), que solicitou a audiência, disse que o projeto de lei que limita em 30 horas semanais e cinco dias de trabalho a jornada de terceirizados da Prefeitura, e que pretende propor a criação de um grupo de trabalho para saber quem e quantos são os trabalhadores na escala 6×1 em Belo Horizonte.
“A escala 6×1 é uma sobrecarga tremenda que tira nossa dimensão humana, mal permite descanso e leva a adoecimentos”, afirmou a vereadora.
Sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe redução da jornada de 44 horas semanais para 36 horas, assinada pela deputada Erika Hilton (Psol-SP) com co-autoria do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), o vereador Wagner Ferreira (PV) afirmou que as bases precisam se mobilizar e pressionar os deputados. “Esperamos dar uma chacoalhada no Congresso Nacional para conseguir aprovar essa PEC”,
A discussão em torno da escala 6×1 e das jornadas exaustivas evidencia um tema crucial para o bem-estar dos trabalhadores e a melhoria das condições de trabalho no Brasil.
Funcionalismo municipal
No que se refere ao funcionalismo público municipal, Israel Arimar de Moura, coordenador administrativo do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), explicou que a jornada da maioria dos servidores municipais é de 40h. “Mas existem autarquias com jornada de 44h, como a SLU e Sudecap, além de outros tipos de contrato”, explicou. Israel falou que a proposta de redução de carga horária semanal já está na pauta do sindicato para 2025. “Contamos com o apoio dos vereadores para reduzir essa jornada, pois isso diminui adoecimentos e afastamento de trabalhadores”, destacou.
Os contratos de trabalhadores terceirizados da educação foram duramente criticados. Raquel Oliveira, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH), explicou que o sindicato representa tanto estatutários quanto celetistas. “Entre os terceirizados, são mais de 8 mil pessoas que trabalham 44 horas para atender dois turnos das escolas em uma única jornada, que vai das 7h às 17h24. Eu saio da escola exaurida”, contou.
Essa carga horária é aplicada a diversos cargos, entre eles cantineira, faxineira e auxiliar. Raquel também denunciou que a Prefeitura não abona atestados médicos. “Você pode ir a uma consulta, mas fica devendo horas”, explicou. Ela ainda sugeriu que a MGS (empresa que administra contratos de terceirizados da educação) seja chamada pela CMBH para prestar informações sobre afastamentos por doenças e trabalhadores com deficiência.
O assessor de relações de trabalho da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão Almiro Melgaço da Costa destacou que a reunião trouxe muitos subsídios para se avaliar melhor a forma de trabalho da Prefeitura. “Fiz anotações que levarei ao secretário. Os temas levantados aqui serão considerados para darmos continuidade à discussão”, afirmou.
Setor privado
Também foram denunciados abusos. Bruna Silva Miranda, coordenadora estadual do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), contou que precisou abandonar a escala 6×1 para conseguir criar a filha. “Meu marido sai de casa às 9h e volta 1h da manhã. Diálogo com o chefe é uma falácia. Ou você faz hora extra ou é substituído. Precisamos mudar isso. Um país que respeita o trabalhador tem um futuro promissor”, defendeu.
Jonathas Felipe Nascimento, do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento, Pesquisa, Perícias, Informações e Congêneres de Minas Gerais – Sintappi-MG, confirma que não é possível uma negociação direta com o empregador. “Trabalhador que enfrenta essa escala, enfrenta com medo. Ele tem medo de folgar, de negociar uma folga. Mas tudo na vida tem um limite. A dignidade vai muito além de trabalhar dia e noite sem descanso”, afirmou.
O vice-presidente do Sindicato de Comerciários (de BH e região), José Alves Paixão, relatou que são 238 mil trabalhadores no comércio em Belo Horizonte e que desde a década de 1970 os sindicatos que representam os comerciários lutam pela redução da jornada, principalmente pelo fim do trabalho aos domingos. “Se o comércio não parar de explorar os trabalhadores, daqui a pouco teremos 238 mil pessoas doentes”, afirmou. Everton, trabalhador do comércio há 46 anos, deu um relato emocionado: “não vi meus filhos crescerem porque eu estava dentro da loja. São os mais jovens que vão mudar essa situação porque não querem passar o que seus pais passaram”.
Josely Rosa, representando a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), anunciou a realização de uma audiência pública sobre o fim da escala 6×1 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no dia 13 de dezembro, às 14h, com presença do vereador Rick Azevedo (Psol RJ). “A ancestralidade deve estar muito feliz com esse movimento. Na senzala já dizíamos que não queríamos ser escravizados”, disse Josely, lembrando que a discussão relacionada ao trabalho envolve outros temas relevantes como qualidade de vida, mobilidade, cuidado, creches.
Análise jurídica
Gustavo Seferian Scheffer Machado, professor da faculdade de Direito UFMG, afirmou que a CMBH pode tomar providências para reduzir a jornada de trabalho no município. “É possível uma lei municipal que aponte que as jornadas e contratos de trabalho não poderão ser exaustivos, com definição de dias de descanso. Não há vedação constitucional para que isso ocorra. Conduzir essa pauta é necessário e fundamental”, destacou.
Um projeto de lei, propondo a redução da jornada de trabalho para terceirizados da PBH, com limite semanal de 30 horas e cinco dias de trabalho, já está pronto para ser protocolado, segundo Iza Lourenço. Ela também pretende mediar a formação de uma mesa de negociação envolvendo sindicatos, empresas prestadoras de serviço e Prefeitura para discutir a redução de jornada de terceirizados da administração pública municipal, assim como formar um grupo de trabalho para saber quem e quantos são os trabalhadores na escala 6×1 em Belo Horizonte.