Na noite de quarta-feira (7), a Câmara dos Deputados, por ampla maioria — 315 votos favoráveis contra 143 contrários, além de quatro abstenções — aprovou a suspensão da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). O pedido foi apresentado por seu próprio partido, o PL, o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro. E essa decisão pode acabar favorecendo também o ex-presidente Bolsonaro, ao estender os efeitos da decisão para além da figura parlamentar diretamente envolvida.
Procedimento acelerado e sem debates
O processo legislativo seguiu um rito veloz e incomum. A matéria, que já havia sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) horas antes, foi levada ao plenário pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), sob a justificativa de que o prazo para deliberação era exíguo. Com isso, a proposta foi submetida a votação sumária, sem direito a debates, emendas ou destaques.
O plenário, portanto, foi instado a votar diretamente sobre o parecer do relator Alfredo Gaspar (União-AL), que defendeu a paralisação completa da ação penal. O procedimento gerou forte reação da oposição, que classificou a medida como um cerceamento do debate democrático e uma manobra para blindar não apenas Ramagem, mas outros réus, como Bolsonaro, ministros e militares envolvidos na mesma denúncia.
Imunidade parlamentar em xeque
No centro da controvérsia está o artigo 53 da Constituição Federal, que autoriza a suspensão de processos contra parlamentares por crimes cometidos após a diplomação. No entanto, a interpretação do relator foi ampliada: segundo Alfredo Gaspar, uma vez que a denúncia foi apresentada de forma conjunta pelo Ministério Público Federal contra Ramagem e outros acusados, seria inviável separar os réus. Assim, a sustação de um deveria implicar na paralisação da ação contra todos.
Essa interpretação causou revolta. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) contestou veementemente a tese de que a imunidade de foro poderia ser estendida a pessoas que não detêm mandato, como é o caso do ex-presidente Bolsonaro. Na mesma linha, Chico Alencar (PSOL-RJ) acusou a base governista de usar Ramagem como “guarda-chuva jurídico” para proteger figuras sem imunidade parlamentar.

Votos contrários denunciam anistia velada
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), foi ainda mais enfático. Ele classificou a manobra como “um puxadinho para a anistia”, ao argumentar que os parlamentares estariam promovendo uma depredação simbólica do próprio Congresso Nacional, num esforço para travar ações judiciais ainda em fase embrionária. “É uma vergonha! Esse voto destrói o princípio da responsabilização. O que estamos vendo é uma tentativa de reescrever a história com tinta de impunidade,” discursou.
Lindbergh também mencionou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que impede a extensão de prerrogativas parlamentares a pessoas que não ocupam cargos eletivos. A referência direta foi a Bolsonaro, que desde o fim do seu mandato perdeu o foro privilegiado.
Texto aprovado favorece outros investigados
No parecer aprovado sem alterações, Alfredo Gaspar deixou claro que não havia espaço para a continuidade do processo judicial. “Quem colocou todos no mesmo vagão foi o STF e o Ministério Público. Não resta alternativa a esta Casa senão o sobrestamento integral da ação”, declarou. O relator, ex-promotor de Justiça, evitou propositalmente delimitar o alcance da suspensão apenas a Ramagem, o que aumenta as chances de Bolsonaro e demais réus se beneficiarem da decisão.
Papel da Câmara diante da Constituição
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha alertado que a Câmara só poderia suspender ações relacionadas a crimes cometidos após a diplomação de Ramagem, os parlamentares optaram por ignorar esse limite. O argumento do PL foi o de que o deputado passou a ter imunidade parlamentar a partir de 19 de dezembro de 2022, data de sua diplomação. A legenda sustenta que qualquer investigação posterior a essa data deveria ser submetida à autorização da Casa Legislativa.
Contudo, o STF já havia manifestado entendimento contrário. Segundo a Corte, “crimes como tentativa de golpe de Estado e participação em organização criminosa não podem ser alcançados pela imunidade”, especialmente se tiveram início antes da diplomação.
Ramagem no centro da denúncia
Alexandre Ramagem é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como integrante do “núcleo central” de uma trama golpista, cuja finalidade seria minar a confiança no processo eleitoral e instaurar um governo autoritário. À época dos fatos, Ramagem era diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e, conforme a denúncia, teria instrumentalizado o órgão para monitoramentos ilegais e disseminação de desinformação sobre as urnas eletrônicas.
A PGR destaca que a atuação de Ramagem não foi isolada, mas parte de um esforço coordenado que envolveu altos escalões do governo Bolsonaro, inclusive militares e ex-ministros. A inclusão dele como réu no processo foi vista como estratégica para atingir também os principais articuladores da suposta conspiração.
Decisão pode virar precedente para Bolsonaro
Caso o Supremo aceite a sustação da ação penal contra Ramagem na íntegra, outros réus — mesmo sem foro privilegiado — podem alegar isonomia para requerer o mesmo tratamento. Entre eles, está o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Votação encerra sem previsão de revisão
Com a promulgação imediata da resolução por Hugo Motta, o texto agora segue para o Supremo Tribunal Federal, que deverá decidir se acata ou não a suspensão da ação. Como a deliberação partiu da própria Câmara — e se refere a um de seus membros — não há necessidade de tramitação no Senado ou sanção do presidente da República.
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