Entre as tantas dificuldades que a vida impõe, Ricardo Elias encontrou nos animais uma forma de superar os desafios e viver mais próximo dos bichos que tanto ama. O belo-horizontino desistiu do jornalismo e fez carreira no teatro até empreender no mercado pet, onde enfim se sente realizado, a frente da Animal House, uma creche para animais de estimação no bairro Novo Floresta.
Em tantas voltas que a vida dá, o que nunca mudou foi o apoio familiar, que ele considera a razão de tudo o que conquistou. Mas as principais dores de sua vida vieram de partidas inesperadas. Em 2016 ele perdeu sua irmã, vítima de um infarto fulminante aos 33 anos. A partida precoce de Gislene foi um baque na família Nascimento Elias, mas um valor deixado por ela foi o pontapé inicial para a realização do sonho de Ricardo, que investiu na carreira e criou seu primeiro banho e tosa.
Nas redes sociais o empresário está sempre mostrando o dia a dia com os gatos e cachorros, fazendo piadas com situações do cotidiano e levando bom humor para os seus seguidores, como ele fazia em cima dos palcos na época das apresentações no teatro. Por trás do comediante existe o lado tímido, que ele justifica pelo bom relacionamento com os animais, e esconde também mais uma grande tristeza, a morte de Seu Antônio, seu pai, vítima da Covid-19 em dezembro do último ano.
Leia abaixo um breve bate-papo com o empreendedor que conta sobre a Animal House, sua relação com os cachorros e relembra com carinho a jornada ao lado da família.
BN: De onde vem a vontade de empreender no mercado pet e como foi mudar a sua vida para investir no sonho de estar próximo aos animais?
Ricardo Elias: A Animal House foi inaugurada no dia 09 de junho de junho de 2018. Eu trabalhava como ator, mas estava querendo dar um tempo na profissão e me dedicar a outra área. Foi aí que optei por entrar para o mercado pet. Sempre fui apaixonado por animais, sempre tive cachorros e sinto uma ligação muito forte com eles. Comecei a fazer curso de banho e tosa. Minha irmã, que faleceu em 2016, havia me deixado um dinheiro, que usei para montar um banho e tosa na sala da casa dos meus pais. Mas o banho e tosa não era tudo que eu queria. Eu tenho um labrador, o Don, e encontrava muita dificuldade em achar espaços públicos onde ele pudesse correr, brincar e se exercitar livremente, sem coleira, em segurança, sem correr o risco de fugir ou ser atropelado por um carro. Conversando com outros pais de cães, vi que essa também era uma falta sentida por eles. Outras pessoas me diziam que morriam de vontade de ter um pet, mas trabalhavam muito e ficavam muito tempo fora de casa. Pensei em como seria bom se existisse um espaço seguro para os animais brincarem e também onde as pessoas pudessem deixar seus pets antes do trabalho e buscar no fim do dia, uma creche como as de crianças. Naquele momento, pensei estar inventando algo, mas quando fiz uma pesquisa na internet, descobri que já existiam creches para cachorros, principalmente em São Paulo. Um dia estava trabalhando no meu banho e tosa quando a Lilian, que trabalhava comigo, disse que seu primo tinha um dinheiro para investir e estava interessado em entrar para o negócio. Conversei com ele e comecei a procurar imóveis que tivessem um grande terreiro ou quintal para montar a creche. Encontrei uma casa na rua Engenheiro Correia, 247, no bairro Nova Floresta, e foi nela que inaugurei a Animal House. Dentro da casa colocamos o alojamento dos cães, com espaços grandes para dormirem confortáveis. Um banho e tosa, sem gaiolas, com banhos sem pressa, no tempo do animal, para causar o menor estresse possível a eles. Do lado de fora da casa, o pátio da creche e do hotel, com 300m² para os cães correrem à vontade, além de participarem de muitas atividades com a recreadora. Esse espaço ficou ainda melhor com a chegada da Arena CrossDog, um parceiro que nos fornece brinquedos, rampas, túneis… que acrescentam muito no enriquecimento ambiental proporcionado aos “doguinhos”. Nos fundos, uma área grande, toda telada para abrigar o hotel de gatos. Lá também fica o dormitório deles, dentro de um quarto. Na garagem colocamos uma loja com rações e artigos para animais de estimação, e era lá que trabalhava meu pai. Comerciante a vida toda, abriu mão de sua aposentadoria para me ajudar. Meus pais sempre me apoiaram em todos os meus projetos. No teatro me ajudaram nos bastidores, viajavam comigo quando me apresentava em outras cidades. Quando quis montar o banho e tosa, me cederam a sala da casa e quando montei a Animal House, vieram trabalhar comigo. Meu pai na loja e buscando os pets em casa, quando precisavam, e minha mãe cuidando da parte da limpeza. Também integravam a equipe, Lilian e a irmã dela, Elisa, que é veterinária. Com o passar do tempo fomos crescendo e hoje somos oito, sendo dois banhistas, uma recreadora, uma atendente, uma faxineira, Elisa continua sendo a veterinária, Lilian que me ajuda na parte administrativa e está entrando para a sociedade, e eu. Minha mãe optou por sair, pois com a idade se sentia muito cansada para o serviço pesado que fazia. Meu pai, meu grande incentivador aqui no pet, parceiro e colega de trabalho, infelizmente faleceu. Em novembro de 2020, testou positivo para a Covid-19. Ficou 1 mês internado, lutando contra a doença, mas não resistiu. Se a Animal House é o que é hoje, é graças a todos que contribuíram, Lilian, Elisa, meu sócio Renato, nosso parceiro Thiago da Arena Crossdog, minha mãe Fátima, meu pai Antônio, minha irmã Gislense, a mim também, claro, e a todos os colaboradores que passaram por lá e aos que estão lá hoje, aos meus clientes que entenderam nossa forma de trabalhar e nos tratam com muito carinho, aos pais da Lilian que sempre nos ajudam como podem, inclusive cedendo seu carro para que pudéssemos fazer os transportes, e principalmente aos pets, que são o verdadeiro motivo da Animal House existir, e que retribuem tudo que fazemos por eles nos dando muito amor.
BN: Como é a sua relação com os cachorros?
Ricardo Elias: Minha boa relação com os animais vem desde que era criança. Gosto muito de todos eles. Gosto até de dinossauros (risos). Mas eu cresci mesmo foi com os cães. Tive seis ao longo da vida. Eu fui uma criança/adolescente muito tímido, tinha poucos amigos. Muitas vezes meus cachorros eram minhas companhias, meus companheiros de brincadeiras. Eu me sentia bem com eles. Eu sou aquele cara que se vai em uma festa na casa de alguém e lá tem um cachorro, fica com o cachorro enquanto os amigos ficam dançando, bebendo…
BN: Cria um laço afetivo intenso com eles?
Ricardo Elias: Quando se gosta tanto assim, é natural se apegar, criar laços. Cada cachorro é de um jeito, cada um tem uma história. Tenho uma cliente que encontrou sua cachorrinha dentro de um saco de lixo na BR. Imagina o que essa cachorrinha já sofreu na vida. E ela é um amor, boazinha de tudo. A gente se apaixona, não tem jeito. Um outro cachorrinho era bravo, já havia sido expulso de 3 ‘petshops’, pois mordia quem tentava lhe dar banho. Aos poucos, fui conquistando sua confiança e hoje somos muito amigos. Sua família é imensamente agradecida pois até em casa ele melhorou o comportamento. Isso é muito gratificante.
BN: O setor foi atingido pela pandemia?
Ricardo Elias: Um pouco. Com a quarentena, as pessoas deixaram de viajar, fazendo o numero de hospedagem de cães e gatos despencar. Já o banho e tosa não teria sido afetado se não fosse o decreto da prefeitura proibindo o funcionamento do comércio. Em um primeiro momento, esse serviço não foi considerado essencial, então tivemos que fechar, mas algumas semanas depois fomos liberados para abrir. Em um segundo decreto de fechamento do comércio, a venda de alimentos e artigos para animais de estimação foi proibida e novamente tivemos que fechar a loja. Mas acredito que entre tantos setores, o pet tenha sido menos prejudicado.
BN: Estar tão próximo dos animais ajuda a diminuir o estresse do dia a dia, em um mundo, muitas vezes, tão “carregado de ódio”?
Ricardo Elias: Com certeza. Os animais são puros. O amor deles é incondicional. Algumas pessoas dizem que os animais são irracionais e por isso são imprevisíveis. Eu acho exatamente o contrário. Quando você conhece bem o comportamento de um cachorro ou gato, conhece seus limites, sabe exatamente como vão reagir, o que os fará ter medo, o que fará com que tentem te morder. Já os humanos, você pode conviver décadas ao lado de alguém e ainda sim se surpreender e se decepcionar com suas atitudes. Os pets só querem dar e receber carinho. Isso é suficiente para eles. Eles não se importam se você é rico, pobre, feio, bonito, famoso, anônimo… Eles só querem estar ao nosso lado.
AMOR E CARINHO ALÉM DA ANIMAL HOUSE
Ricardo Elias: Nós não vendemos animais e nem divulgamos anúncio de venda. Nós incentivamos bastante a adoção. Existem muitos cães resgatados por ONG’s ou até mesmo nas ruas precisando de um lar. Estamos sempre divulgando animais disponíveis para adoção em nossas redes sociais e fizemos do portão da Animal House um grande mural solidário, onde as pessoas podem colar cartazes de animais perdidos, encontrados ou que estejam para adoção. A ONG Amo Animais BH é uma das que costumam utilizar esse espaço para divulgar seus cãezinhos resgatados. Também somos ponto de coleta fixo de doações para o projeto Moradores de Rua e Seus Cães (MRSC), que cuida da higiene dos animais e dos moradores de rua, e se precisar fazem até atendimento veterinário e entrega alimentos e as doações para esses moradores de rua.
UMA HOMENAGEM A SEU ANTÔNIO
“Quero aproveitar esse espaço para homenagear meu pai. Sem ele, a Animal House não existiria. Ele que cedeu sua sala para eu montar o banho e tosa. Ele que visitava os imóveis comigo e, quando encontramos, ajudou a capinar o lote e até a negociar com os pedreiros. Ele que trabalhou em nossa loja de 8h às 18h, de segunda a sábado, sem exigir pagamento. Ele que não me deixava desistir nos momentos em que as coisas ficavam difíceis. Ele que me ensinou a ter bom humor, a gostar de ajudar os outros, a ter caráter e saber que ter a consciência tranquila vale mais que ter reconhecimento. Tudo que eu sou, tudo que eu conquistei e ainda vou conquistar, eu devo a ele e a minha mãe. Muito obrigado. Meu amor por eles é eterno!”