O casamento é decerto a instituição falida mais invejada do mundo. Que posição tomar quando, às portas da meia idade, falida, sem emprego, ora morando de favor com a mãe, ora tendo de dividir um apartamento com gente de outro mundo que não o seu, e, pior, fracassada em seus próprios afetos românticos, se recebe a insidiosa oferta de ser madrinha de casamento da melhor amiga? Engolir o orgulho, recolher os cacos de amor-próprio e aceitar, com muito prazer, claro — tomando todo o cuidado para a inveja não dar na vista da nubente, que além de não ter nada com isso, tem como última preocupação consolar uma solteirona amargurada, que provavelmente, e bem no fundo, já pode estar habituada a não ser o centro das atenções nem da sua própria vida.
É o que acontece com Annie em “Missão Madrinha de Casamento”, lançado há uma década —, que não só concorda em ser a madrinha de Lillian, como, malgrado o choque inicial, principalmente quando confronta a glória da futura noiva à sua desdita, se apega ao novo papel com o afinco de quem quer provar a todo mundo (e em especial a si mesma) que pode se dar muito bem na função, ao passo em que se mostra longe daqueles comezinhos sentimentos humanos como despeito e inveja e ainda aproveita para tentar absorver do episódio alguma lição e dar sentido à ruína em que se tornou sua vida. Parece fácil?
O filme de Paul Feig, com roteiro escrito a quatro mãos pela atriz Kristen Wiig, a madrinha, e Annie Mumolo, sua amiga na vida real, de quem toma emprestado o nome da personagem, deu o que falar naquele longínquo 2011. Comparações são sempre reducionistas, mas 11 entre dez críticos enxergaram todas as óbvias semelhanças — mesmo as que eles mesmos inventaram — entre a história das amigas em lados opostos, do altar e da vida, e “Se Beber, Não Case!” (2009), de Todd Phillips, por exemplo, com o sinal de gênero trocado, evidentemente, e guardadas as devidas proporções, aliás, nem tão guardadas assim, já que “Missão Madrinha de Casamento” pesa um tanto a mão ao abusar dos palavrões, das piadas de cunho sexual e mesmo das sequências escatológicas. Com uma diferença, a seu favor: a produção de Feig mantém a aura de filme B, despretensioso, leve, pra cima, sem prescindir da doçura até um pouco melosa, do jeito que as mulheres gostam. “Missão” é, assumidamente, um filme de mulher, que representa o universo feminino, e talvez por essa razão tenha ido tão longe.
Kristen Wiig é uma humorista de mão cheia, conforme se verifica por sua longa experiência em programas de comédia na televisão americana como “Saturday Night Live”. No “SNL”, ao lado de Maya Rudolph, que interpreta Lillian, Wiig protagonizou momentos impagáveis na história da atração, nos quais deu vazão às diversas manifestações de seu talento, a começar pelas imitações, sempre hilárias. Annie não é um papel para qualquer atriz, pelo menos não todo o tempo. À altura da trama em que Helen, a beldade cheia da nota de Rose Byrne entra em cena, é que a protagonista de fato mostra a que veio. As duas, claro, passam a disputar todas as atenções — e o prestígio dos convidados, e o afeto da própria noiva —, mas há muito mais por trás daquele circo de sonhos moribundos de cada uma. Graças ao tirocínio de Kristen Wiig, que sabe ser escrachada, mas domina como ninguém as técnicas de seu ofício diante das câmeras, Annie demonstra o travo de sua vida com uma sutileza que dói. Nascia uma estrela.
Como se trata de Hollywood — ainda que em versão barateada —, é elementar que sobrariam críticas ligeiras às relações amorosas, como o argumento da mulher que se levanta antes do marido a fim de se maquiar, voltar para a cama e fingir que acordou daquele jeitinho, o que ainda hoje, sem qualquer hesitação, deixa as feministas do calcanhar sujo babando de indignação. Continuando com Nelson Rodrigues (1912-1980), maridos, por mais desligados que sejamos os homens, notam a trapaça, mas nunca dizem, sequer inferem nada. Mentem por misericórdia e, assim, a pobre humanidade vai levando.
“Missão Madrinha de Casamento” foi orçado em US$ 32,5 milhões e quase decuplicou a receita, arrecadando cerca de US$ 290 milhões segundo os borderôs mundo afora, o que pode ser visto como mera gorjeta, uma vez que a excelência do trabalho duplo de Kristen Wiig vale cada centavo. Até se cogitou — e se clamou — pelo desdobramento da história, mas Wiig deu a missão por consumada em entrevista a Ellen DeGeneres — que, por sinal, parece também estar concluído a carreira como âncora de talk show. Seria bom saber se Annie pôde dar a volta por cima e seguir a trilha de sucesso de sua criadora. Roteiro bom não seria problema.
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