Quando Max Weber (1864-1920), grande teórico da burocracia – senão o farol que ilumina tantos outros autores acerca o assunto até hoje –, concebeu em seus pensamentos a estrutura forjada nos modos oficiais da mesma, certamente não imaginou que um tema tão sério pudesse se tornar algo tão cômico e irreverente.
A inversão de valores projetada no espetáculo em destaque na 49º Campanha de Popularização do Teatro e da Dança – “Como vencer a burocracia sem ter um infarto” –, não omite ou desvia a atenção para a realidade que permeia toda organização que necessita do mínimo de ordem e disciplina a fim de ser útil. Ela escancara o absurdo das relações de poder quando o egocentrismo dirige as ações individuais, em um campo que deveria ser satisfatório ao bem comum.
Do sisudo até o histriônico, a filosofia de vida transformada de um agente burocrático conduz à cena as mais diversas reações de perplexidade, ironia, sarcasmo e malícia quando dá início ao relacionamento interpessoal.
Jamais se considerando uma peça com extrato analítico, a linha narrativa conduz desde o primeiro instante à dramaturgia estapafúrdia – no melhor sentido! – através do personagem interpretado por Lucas Barbosa: funcionário de baixo escalão de uma repartição pública.
E mesmo sem quaisquer linhas de diálogos expositivos, o espectador atento notará que aquele personagem é a última fase de “progresso” que um servidor público pode almejar dentro do ambiente no qual serve, sem que seja este parente ou amigo do amigo de algum político minimamente influente.
Em contrapartida, o cidadão requerente de um serviço, interpretado por Fernando Veríssimo (igualmente frustrado e aborrecido na necessidade de estar àquele ambiente), corresponde aos inúmeros momentos em que a risada explode no ar, acompanhada de um franzir do sobrolho que indica, enfim, que os absurdos expostos na interatividade dos personagens neste espetáculo são baseados em ocorrências reais do mundo social e que trata-se, efetivamente, de uma dinâmica feroz impedida de ser viabilizada, vigorosamente, apenas por força da lei e pelo juízo racional de causa e efeito.
Diz Lucas, a respeito do texto escrito por Ed Vasconcellos e dirigido por Ílvio Amaral: “O texto original é um plano de fundo… porque a gente traz muitos elementos da vivência. (…) Às vezes, funcionários públicos falam as coisas com a gente; aí a gente fala: ‘Caramba! Então pode ser assim!’ E vai fazendo enxertos…!”
Fernando acrescenta: “… Durante os ensaios, tinham coisas no texto que o diretor, Ílvio, falava assim: ‘Isto é muito exagerado; isto não acontece, não!’. E eu, por ser funcionário público de carreira, eu falo: ‘Pode deixar; que acontece, sim…” Rindo com a leveza de alma de quem se sente em paz por fazer um bom trabalho.
Engraçada do começo ao fim, “Como vencer a burocracia sem ter um infarto” acerta ao decidir ser uma peça despretensiosa, que não pára um minuto para dar fôlego ao espectador – a fim de não perdê-lo, talvez, com exames acerca a vida metódica do hábito opressor ou, digamos, exigente em demasia. Tal qual um chefe de repartição que exige cumprimento de expediente e submissão à palavrinha geradora de muita angústia, estresse e ansiedade, que esmaga ao se agigantar na consideração do trabalhador sem saída ou apoio moral: PRAZO.
A peça estará em cartaz no Teatro da Biblioteca Pública: 04 a 14 de janeiro; 01 a 4 de fevereiro. E no Palácio das Artes (Sala Juvenal Dias), de 20 a 28 de janeiro.
Mais informações e aquisição de ingressos:
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Tiago Boson
Multi-instrumentista autodidata, compositor, professor de música, pintor, ilustrador, escritor/poeta (não publicado).
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